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"A Flor do Buriti": o filme que revela a resistência Krahô e leva o Tocantins ao mundo
Do cerrado tocantinense a Cannes: como 'A Flor do Buriti' transformou a luta Krahô em arte aclamada mundialmente
Por: Thalia Batista (jornalista e produtora cultural)

Cartaz premiado de "A Flor do Buriti" - Vencedor do Prêmio Sofia 2025 de Melhor Cartaz.
O Tocantins, um estado jovem em divisão territorial, mas ancestral em história, ganha projeção internacional com "A Flor do Buriti", filme dos diretores João Salaviza e Renée Nader Messora. A obra, que mergulha na resistência do povo Krahô contra séculos de violência, emocionou o Festival de Cannes e se tornou um marco do cinema contemporâneo brasileiro.
O filme tece um retrato atemporal da resistência Krahô, partindo de um momento simbólico: duas crianças indígenas que avistam um boi invasor próximo à aldeia - um presságio da violência que se abateria sobre seu povo. A narrativa acompanha gerações de sobreviventes que enfrentaram a assimilação forçada em períodos sombrios da história nacional, chegando até os dias atuais, quando os Krahô continuam sua jornada de resiliência. Diante de ameaças que se renovam, mas nunca os derrotam, a comunidade persiste em reinventar sua existência, mantendo viva sua cultura em um território permanentemente tensionado por conflitos.
Mais do que uma narrativa histórica, "A Flor do Buriti" é um retrato íntimo, construído a partir de anos de convivência. João Salaviza e Renée Nader Messora têm uma relação profunda com a comunidade: ele acompanha os Krahô há 10 anos, ela há quase 15.
"A nossa relação com a comunidade não é um projeto artístico", explica Renée. "A gente participa de muitas coisas e tem um mapa afetivo que se estende muito além do cinema", disse João.

Momento poético em "A Flor do Buriti": criança Krahô observa o território ancestral
Premiações e Festivais: Reconhecimento Mundial
O filme estreou no 74º Festival de Cannes (2023), na seção Un Certain Regard, onde conquistou o Ensemble Award. Desde então, percorreu os principais festivais internacionais, acumulando prêmios e aclamação:
Prêmios
Ensemble Award | 74º Festival de Cannes – Un Certain Regard (2023)
Cinevision Award | 40º Festival de Cinema de Munique (2023)
Prêmio APIMA de Melhor Filme Latino-americano | 38º Festival Internacional de Cine de Mar del Plata (2023)
Prêmio Especial do Júri | 23º RIDM – Festival Internacional de Documentários de Montreal (2023)
Festivais
74º Festival de Cannes – Un Certain Regard (2023)
40º Festival de Cinema de Munique (2023)
38º Festival Internacional de Cine de Mar del Plata (2023)
23º RIDM – Festival Internacional de Documentários de Montreal (2023)
63º VIENNALE – Vienna International Film Festival (2023)
47º MOSTRA – Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2023)
O Povo Krahô: Guardiões de uma História de Resistência
Os Krahô, habitantes ancestrais do cerrado tocantinense, são mais do que personagens deste filme – são narradores de sua própria história. Com uma cultura rica em tradições orais, rituais e profunda conexão com a terra, esse povo enfrentou séculos de violência e tentativas de apagamento. "A Flor do Buriti" não apenas documenta essa trajetória, mas se torna parte dela, ao dar voz e imagem a uma luta que persiste. A participação ativa dos Krahô na construção do roteiro e nas filmagens reforça o caráter colaborativo da obra, mostrando que o cinema pode ser uma ferramenta de afirmação cultural.
O filme nasce de uma relação singular entre a equipe técnica e o povo Krahô - uma convivência que transcendeu o mero registro para se tornar um processo de escuta e troca profunda. Como revela a equipe, a produção optou por um modelo radicalmente diferente: em vez de impor prazos industriais ao cinema, adotou o tempo da aldeia, filmando por 15 meses com uma equipe enxuta e sem regalias. Essa abordagem permitiu que os Krahô não fossem meros "personagens", mas coautores da narrativa. As atuações dos indígenas no filme - descritas como "mágicas" pela equipe - surgem justamente dessa imersão: sem artifícios de interpretação profissional, mas com a verdade de quem vive cada cena. O diretor João Salaviza, com sua experiência em trabalhar com não-atores, soube canalizar essa autenticidade, criando performances que emocionam justamente por revelarem não técnicas de atuação, mas existências reais. O resultado é um cinema que não fala sobre os Krahô, mas fala com os Krahô - e permite que eles falem por si mesmos.
O sucesso de "A Flor do Buriti" em festivais internacionais prova que histórias indígenas, quando contadas com autenticidade, ressoam globalmente. O filme não só homenageia a resistência Krahô, mas também abre caminho para novas narrativas sobre povos originários no cinema. Como afirma Renée, esta é apenas a segunda de uma trilogia planejada – o que significa que ainda há muito a ser revelado. Enquanto isso, o longa permanece como um convite ao público: para assistir, refletir e, acima de tudo, reconhecer que a cultura indígena não é passado, mas presente e futuro.
A Flor de Buriti deve ser apreciado não apenas como um um filme, mas um gesto de existência. Porque o Tocantins, antes de ser um estado, já era território Krahô. E porque o cinema, quando feito com tempo e respeito, pode ser uma ferramenta de transformação.
"A Flor do Buriti" está disponível no catálogo da Embauba Play, plataforma dedicada ao cinema autoral brasileiro, e na Netflix.
Assista o trailer aqui:
Ficha Técnica
Elenco:
ILDA PATPRO KRAHÔ, FRANCISCO HYJNÕ KRAHÔ, SOLANE TEHTIKWYJ KRAHÔ, RAENE KÔTÔ KRAHÔ, LUZIA CRUWAKWYJ KRAHÔ, DÉBORA SODRÉ, SONIA GUAJAJARA, THIAGO HENRIQUE KARAI DJEKUPE, SHIRLEI DJERA, e as comunidades das aldeias Pedra Branca, Coprer, Morro Grande e Manoel Alves Pequeno.
Direção: JOÃO SALAVIZA, RENÉE NADER MESSORA
Produção: ENTREFILMES
Coprodução: SANCHO & PUNTA, KARÔ FILMES
Roteiro: JOÃO SALAVIZA, RENÉE NADER MESSORA, ILDA PATPRO KRAHÔ, FRANCISCO HYJNÕ KRAHÔ, HENRIQUE IHJÃC KRAHÔ
Assistente de Direção: ILDA PATPRO KRAHÔ
Produção Local: HENRIQUE IHJÃC KRAHÔ
Direção de Fotografia: RENÉE NADER MESSORA
Direção de Arte: ÁNGELES GARCÍA FRINCHABOY, ILDA PATPRO KRAHÔ
Figurino e Objetos de Época: DAYSE BARRETO
Som Direto: DIOGO GOLTARA
Desenho de Som: PABLO LAMAR
Mixagem: ARIEL HENRIQUE
Montagem: EDGAR FELDMAN, JOÃO SALAVIZA, RENÉE NADER MESSORA
