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Crítica: Alexandrina
Reconstruindo memórias: o cinema como ato de resistência em Alexandrina — Um Relâmpago

Da invisibilidade à potência: a reafirmação da identidade negra e amazônica na tela
Com “Alexandrina — Um Relâmpago”, a cineasta Keila Sankofa nos presenteia com um manifesto cinematográfico que transcende os limites da narrativa histórica para reivindicar, ressignificar e reescrever a memória de Alexandrina, uma jovem negra amazônica apagada pelo olhar colonizador. O curta-metragem não apenas revela a força ancestral de sua protagonista, mas também repercute a luta pela reconstrução de uma história afro-ameríndia silenciada. A narrativa parte de uma perspectiva urgente: transformar Alexandrina, antes reduzida a um objeto exótico de estudo pelos viajantes europeus, em sujeito de sua própria história. A voz em off, que narra com uma intensidade ora resignada, ora furiosa, guia o espectador pelas camadas de dor e resistência dessa personagem.
Sankofa utiliza o cinema como um instrumento de reparação, devolvendo dignidade e humanidade a Alexandrina ao reconstruir sua imagem sob um olhar negro, feminino e amazônico. A obra se destaca pela direção de arte, que entrega um trabalho meticuloso que dialoga com a ancestralidade. O figurino, os adereços e os objetos de cena são carregados de simbolismo. A mise-en-scène é um dos pontos altos da obra, com cenas que intercalam a serenidade da água cristalina com closes de rostos negros que olham diretamente para a câmera, desafiando e conquistando o espectador. A fotografia busca emular uma linguagem sensorial e a direção de Sankofa, com planos abertos e cortes descontínuos que intercalam detalhes de objetos e cenas de dança, conseguem difundir a força e a beleza da história.
O filme é também um exercício de paralelismo entre a trajetória da própria Sankofa e a de Alexandrina. Em 11 minutos, o curta podnera sobre o apagamento da presença negra na história brasileira e a importância do resgate de memórias. As palavras “Eu não estava sozinha em nenhum momento”, ditas durante a narração, reverberam como um grito coletivo, unindo Alexandrina a todas as mulheres negras que foram silenciadas, mas que agora ocupam o centro do palco. A força conceitual é evidente e a relevância histórica e cultural do filme não deve ser subestimada. A obra se afirma como um ato de resistência, mostrando que o cinema também é um espaço de luta e transformação.
“Alexandrina — Um Relâmpago” é um convite ao olhar atento e à reflexão. Keila Sankofa nos recorda que, para cada história silenciada, existe uma possibilidade de reescrevê-la com verdade, dignidade e beleza. O curta é um relâmpago que corta o céu da cinematografia brasileira com sua potência. É cinema de contestação, mas também de celebração. É uma notória realização visual que clama para que as mulheres negras sejam autoras de suas imagens, e não meros objetos de observação. E, ao fazer isso, Alexandrina deixa de ser um espectro do passado para se tornar presente — luminoso, forte e eterno.
Por: Carolinne Macedo (crítica de cinema do Sinopse e do jornal Primeira Página)
