Crítica: Matinta

Entre o Místico e o Real: O Fascínio da Lenda Amazônica em "Matinta"

O pôster do filme Matinta apresenta, ao fundo, um close do rosto de uma mulher de pele morena e cabelos pretos, com um olhar sério e penetrante. A imagem tem um tom sombrio, com vegetação desfocada ao fundo. O título "MATINTA" aparece em letras grandes, brancas e texturizadas, com uma faixa rasgada vermelha atravessando-o. Abaixo, a frase "Quem é daqui do mato tem que ter muito cuidado com o encantado..." adiciona um tom de mistério. Na parte inferior, há uma colagem de cenas do filme, com personagens em momentos de tensão, sob um filtro avermelhado. Os créditos da produção aparecem na parte inferior, com os nomes da equipe e dos patrocinadores.

Sombras e Feitiços: Um Olhar Profundo Sobre o Cinema de Fernando Segtowick

O curta-metragem “Matinta”, dirigido por Fernando Segtowick, é uma joia rara do cinema brasileiro que brilha entre o real e o místico, conduzindo o espectador a uma imersão única na Amazônia. Inspirado na lendária Matintaperera, o filme mistura mitologia e realidade para entregar uma trama que revela as nuances da cultura paraense. Ambientado na comunidade ribeirinha de Caruaru, em Mosqueiro, a produção utiliza o cenário natural como um personagem vivo: os sons da floresta, a luz que rasga a escuridão noturna e o verde quase sufocante constroem uma atmosfera de tensão e beleza.

No centro da história, o personagem Felício (Adriano Barroso) luta para salvar a vida de sua esposa Antônia enquanto tenta escapar das investidas da enigmática Valquíria (Dira Paes), que, através de seus feitiços, busca perpetuar sua maldição. Dira, aqui ainda bem jovem, entrega uma performance magnética, trazendo camadas de humanidade e mistério à personagem, enquanto Adriano Barroso sustenta a tensão emocional com uma atuação forte. A ousadia de “Matinta” reside não só na sua narrativa, mas também na forma como o cienasta Segtowick explora as brasilidades contidas na folclórica história.

É um filme que nos coage a encarar nossos próprios medos, crenças e contradições. O roteiro dá vida à oralidade amazônica, capturando traços culturais que muitas vezes permanecem invisíveis para o grande público. A fotografia, por sua vez, é um espetáculo à parte. Filmado majoritariamente à noite, em meio à densidade da floresta, o trabalho da equipe técnica é digno de aplausos: cada plano carrega a umidade e a claustrofobia do ambiente, enquanto a iluminação dança entre sombras e penumbras, reforçando o clima de suspense. Apesar de algumas atuações secundárias apresentarem certa falta de polimento, isso não compromete o impacto da obra, que se mantém potente, intrigante e profundamente reflexiva.

O que Fernando Segtowick nos entrega com “Matinta” é mais do que uma história: é um convite a revisitar nossa cultura popular, a reconhecer a riqueza de nossas lendas e, ao mesmo tempo, a questionar os fantasmas internos e externos que carregamos. Em seus 20 minutos de duração, o curta é capaz de despertar uma torrente de emoções e reflexões. Fé, medo, traição e desejo se entrelaçam em uma trama que, embora breve, reverbera na mente e no coração. “Matinta” é uma experiência sensorial e intelectual que merece ser celebrada. Um verdadeiro tributo ao cinema amazônico e à força de nossas histórias.

Por: Carolinne Macedo (crítica de cinema do Sinopse e do jornal Primeira Página)