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Crítica: Noites Alienígenas
O Acre em destaque no cinema Brasileiro e o drama das periferias

"Noites Alienígenas": um retrato sensível da periferia acreana e da juventude em busca de pertencimento
Sérgio de Carvalho, diretor e co-roteirista de "Noites Alienígenas", retorna às suas origens com uma produção que, mesmo sendo um épico social ambientado no Acre, ressoa com as dores e sonhos das periferias urbanas de qualquer grande cidade brasileira. O longa-metragem, que se orgulha de ser o primeiro a ser rodado no estado, coloca o Acre no mapa de forma definitiva, sem cair na armadilha do exotismo ou da caricatura. O filme é, em natureza, um retrato fiel de um Brasil muitas vezes invisível, e que, pela visão do diretor, surge com a missão de mostrar as relações humanas e sociais que ecoam em toda a nação. A verdade é que somos todos parte de um mesmo país, com as mesmas angústias e, talvez, os mesmos sonhos de fugir para um lugar melhor.
No coração da periferia de Rio Branco, acompanhamos a trajetória de Rivelino (Gabriel Knoxx), um jovem perdido, parte da geração "nem-nem", entre o desemprego, a ausência de perspectivas e o aliciamento das facções criminosas. Sua história está entrelaçada com as de Sandra (Gleici Damasceno) e Paulo (Adanilo), ambos personagens carregados de traumas e sonhos quebrados, mas também de algo que ressurge: a resistência. A música, especialmente o slam e o tecnobrega, funciona como uma válvula de escape para esses jovens, e é através de suas performances que o filme começa a transitar entre o realismo social e o toque de fantasia que o diretor sabe manipular tão bem.
Embora o roteiro de "Noites Alienígenas" se desvie dos padrões de um filme de crime típico, as facções criminosas e o tráfico de drogas ainda são o pano de fundo de um conflito mais profundo, que abrange questões de identidade, sobrevivência e a busca incessante por uma fuga da realidade. O elemento indígena, tão presente no contexto histórico e cultural do Acre, surge como uma alternativa metáforica, questionando até que ponto a busca por um alívio imediato, seja através das drogas ou da religião, difere da sabedoria ancestral das populações locais. É uma obra intensa e ambiciosa, com um diretor que sabe o que quer contar e que, ao regressar às suas raízes, constrói uma ponte com os problemas sociais de todo o Brasil.
A técnica utilizada por Sérgio de Carvalho é notável, e a escolha do ritmo do filme, por vezes lento e reflexivo, contribui para a sensação de imersão na vida dos personagens. A fotografia e a direção de arte merecem destaque, com a câmera sempre em movimento, capturando o dinamismo da periferia de Rio Branco, mas também em momentos contemplativos, como a aproximação dos detalhes da natureza ou da vida cotidiana nas comunidade. O grande trunfo de "Noites Alienígenas" é sua capacidade de apresentar um drama social sem fazer julgamentos, mantendo uma narrativa fluida, que não força o espectador a escolher lados. Há um olhar generoso sobre todos os personagens, desde os traficantes aos sonhadores, sem que jamais o filme se perca em moralismos.
A contribuição de "Noites Alienígenas" para o cinema brasileiro é evidente. O cienasta e sua equipe fizeram muito mais do que apenas retratar o Acre e suas realidades sociais. Eles ofereceram uma janela para o Brasil profundo, que se vê à margem, mas também se reinventa. A trama expõe uma juventude que, mesmo em meio a suas escolhas erradas, ainda carrega a busca por algo maior, algo mais longe. E, nesse sentido, o filme vai muito além da história de um jovem envolvido com o crime. Ele é sobre a resistência, a busca por pertencimento e a tentativa desesperada de encontrar uma saída em um sistema que só oferece mais violência e desilusão.
Por: Carolinne Macedo (crítica de cinema do Sinopse e do jornal Primeira Página)
