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Por trás das câmeras e na tela: a revolução das mulheres no audiovisual tocantinense

Tocantins na vanguarda: como as mulheres cineastas estão reescrevendo o cinema brasileiro

Por: Thalia Batista (jornalista e produtora cultural)

Nos últimos anos, o Tocantins tem se consolidado como um polo de produção cinematográfica marcado pela força e criatividade de mulheres cineastas. Diretoras, roteiristas e produtoras têm liderado projetos que retratam a diversidade cultural, as lutas sociais e as histórias locais, conquistando reconhecimento em festivais nacionais e internacionais.

Enquanto dados recentes da Forbes Mulher (2025) revelam um preocupante retrocesso na participação feminina nos bastidores de Hollywood - onde a liderança de mulheres na direção de filmes caiu de 21% em 2021 para apenas 16% em 2024 - o cenário no Tocantins apresenta um movimento inverso e inspirador. No estado, as mulheres não apenas mantêm sua presença ativa no audiovisual, como estão protagonizando uma verdadeira revolução criativa, com produções que ganham reconhecimento nacional e internacional.

Um dos maiores exemplos desse fenômeno é O Barulho da Noite (2023), de Eva Pereira, filme que percorreu mais de 20 festivais em países pelo mundo.  O longa foi o grande destaque do Los Angeles Brazilian Film Festival, onde levou o prêmio de Melhor Filme, além de conquistar três prêmios no Milano International Film Festival Awards (Itália), incluindo Melhor Direção para Eva Pereira. A obra também foi premiada no Festival de Cinema de Cochabamba (Bolívia) e selecionada para mostras competitivas em Miami, Marrocos e Europa, consolidando-se como um fenômeno do cinema independente. Essas conquistas históricas não apenas colocam o Tocantins no mapa do audiovisual global, mas também comprovam o talento da cineasta e a potência de suas narrativas que, partindo do local, alcançam ressonância universal.

Dentre as produções mais aguardadas está Apoio Cultural, dirigido por Juliane Almeida, um longa-metragem que mergulha no universo da música independente e nas lutas diárias de artistas locais para manterem sua arte viva. Com filmagens iniciadas em 2023, o projeto tem chamado atenção por sua abordagem colaborativa: além de contar com um elenco majoritariamente tocantinense, abriu espaço para a participação de estudantes da rede pública em oficinas de cinema, democratizando o acesso à produção audiovisual. O filme promete não apenas entreter, mas também fomentar debates sobre políticas culturais e a valorização da cena artística regional.

"Prazer, Ana Carolina" (Dir. Ana Di Monteiro) cartaz do longa que conquistou o New York International Film Awards

Outro grande destaque é Prazer, Ana Carolina, dirigido e roteirizado por Ana Di Monteiro. Diferente das demais produções, esse curta-metragem musical não foi gravado no Tocantins, mas carrega a identidade tocantinense através da visão e talento de sua diretora. A obra narra, de forma sensível e artística, a jornada de uma mulher em busca de si mesma por meio da música e da arte. Sua qualidade técnica e narrativa não passaram despercebidas, e o filme conquistou prêmios importantes, como o Best Picture no prestigiado New York Movie Awards, além de reconhecimentos no AIMAFF, em Atenas, Grécia, e no Hollywood Gold Awards.

No mesmo caminho de valorização da cultura regional, Alowodu – Uma Jornada de Vida e Cultura, dirigido por Monise Busquets, está em fase de gravação e se propõe a narrar histórias ligadas às raízes tocantinenses, trazendo reflexões sobre identidade e pertencimento.

Outro projeto relevante é O Julgamento de Arlete, dirigido e roteirizado por Claudia Roberto. O filme, que está em fase de produção, trata de questões sociais e jurídicas, trazendo à tona debates essenciais para a sociedade contemporânea.

Bastidores de gravação do filme Apoio Cultural de Juliane Almeida

Curtas-metragens: estreias femininas que inspiram novas vozes

No campo dos curtas, o cinema tocantinense tem se revelado um terreno fértil para novas diretoras que estão fazendo sua estreia atrás das câmeras, muitas vezes colocando mulheres também como protagonistas de suas histórias. Palmas Substantivo Feminino (2023), de Rayssa Carneiro, é um documentário poético que retrata a trajetória de mulheres que ajudaram a construir a capital tocantinense. Primeira obra da diretora, o filme não apenas resgata memórias coletivas, mas também abre caminho para outras jovens cineastas.

“Mulheres de Luta" (2024), documentário de estreia da diretora Ana Elisa Martins, retrata a resistência de mulheres tocantinenses na política, arte e ativismo. Lançado no 8 de Março, o filme reúne histórias de lideranças comunitárias e militantes, destacando suas conquistas em meio a desafios sociais. Com equipe majoritariamente feminina, a obra se tornou referência ao transformar o cinema em ferramenta de empoderamento, inspirando novas cineastas a amplificarem vozes femininas no audiovisual.

Protagonistas do filme participam de Lançamento do documentário "Mulheres de Luta", dirigido por Ana Elisa Martins

Outra estreia impactante é Cura Ancestral (2023), de Hyvanna Correa, que explora os saberes tradicionais de mulheres quilombolas e indígenas, mostrando a conexão entre saúde, espiritualidade e cultura.

Entoadas – Para que Outras Sigam no Mesmo Tom é um documentário dirigido por Luciana Pettenon que explora o impacto do Sonora Festival de Compositoras de Palmas nos anos de 2018 e 2019. O filme destaca como o festival foi fundamental para a consolidação da cena musical feminina em Palmas, abordando também questões de gênero, os desafios enfrentados pelas mulheres na música e o machismo presente no meio. O festival é mostrado como uma plataforma importante para fortalecer e inspirar mulheres, proporcionando um espaço de resistência e empoderamento para compositoras no cenário musical.

"Ritxoko" (Dir. Nandyala Waritirre), Artesãs Iny (Karajá) moldam as bonecas de argila, Patrimônio Imaterial Brasileiro, em registro que valoriza saberes ancestrais na Ilha do Bananal (TO)

Dirigido por Nandyala Waritirre e com produção de Millena Kanela, o curta-metragem Ritxoko mergulha no universo sagrado das bonecas de argila feitas pelas mulheres Iny (Karajá) da Ilha do Bananal, no Tocantins. O filme documenta não apenas o minucioso processo artístico de criação das ritxoko – reconhecidas como Patrimônio Imaterial da Cultura Brasileira pelo IPHAN desde 2012 –, mas também sua importância econômica para a comunidade e seu valor como símbolo de resistência cultural. Com fotografia sensível e uma narrativa que privilegia a voz das artesãs Disyrá e Dibexia Karajá, a obra revela como tradições ancestrais se mantêm vivas através das mãos dessas mulheres, conectando gerações e fortalecendo identidades.

Enquanto o mercado global regride, o Tocantins prova que outra realidade é possível. Aqui, as mulheres não apenas resistem, mas criam, dirigem e conquistam espaço - mostrando ao mundo que o futuro do cinema pode e deve ser mais diverso. Se Hollywood precisa de exemplos de como reverter seu declínio na representação feminina, basta olhar para o trabalho pioneiro dessas cineastas tocantinenses.

Com produções que transitam entre o regional e o universal, o cinema feito por mulheres no Tocantins não apenas conta histórias, mas também constroi legados. Seja através de ficções ousadas, documentários engajados ou experimentações estéticas, essas cineastas estão provando que o audiovisual tocantinense tem voz própria – e que essa voz, cada vez mais, é feminina. Enquanto novos projetos despontam no horizonte, uma coisa é certa: o futuro do cinema no estado será escrito, dirigido e protagonizado por mulheres.