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Cinema que brota do cerrado: o legado de 'O Barulho da Noite' e o futuro que se abre para o cinema tocantinense
Dirigido por Eva Pereira, o longa-metragem coloca o Tocantins no mapa do cinema internacional e destaca a força das mulheres na sétima arte.
Por: Thalia Batista (jornalista e produtora cultural)

Com emoção e orgulho, Eva Pereira leva o Tocantins para o palco internacional, sendo consagrada por sua direção sensível em 'O Barulho da Noite'
O filme "O Barulho da Noite", dirigido pela cineasta tocantinense Eva Pereira, tem sido um marco para o cinema do Tocantins, ganhando destaque em festivais nacionais e internacionais e colocando o estado na rota do cinema mundial. O longa, que aborda temas sensíveis e universais, como violência doméstica, abuso infantil e resiliência familiar, tem sido aclamado pela crítica e pelo público, consolidando-se como um dos grandes expoentes da produção audiovisual brasileira contemporânea.
"O Barulho da Noite" narra a história de Sônia (Emanuelle Araújo), uma mulher que carrega as dores silenciadas de uma infância marcada por traumas. Casada com Agenor (Marcos Palmeira), um agricultor dedicado e folião do Divino Espírito Santo, ela se sente invisível e sobrecarregada pelas responsabilidades da vida no sertão tocantinense. Todo ano, Agenor deixa a família por 40 dias para cumprir suas obrigações na festa religiosa, deixando Sônia e as filhas, Maria Luiza (Alícia Santana) e Ritinha (Anna Alice Dias), sozinhas.
A chegada de Athayde (Patrick Sampaio), um suposto sobrinho de Agenor que vem ajudar na lavoura, desestabiliza a frágil estrutura familiar. Maria Luiza, uma menina de 7 anos, vê sua infância ser roubada ao descobrir segredos que ameaçam destruir sua família. A leveza e a alegria da criança dão lugar a um olhar triste e atento, enquanto a família enfrenta desencontros, violências e a presença perturbadora do intruso.
Com um olhar sensível e poético, o filme mergulha nas complexidades das relações familiares, explorando temas como abuso, violência doméstica e resiliência, enquanto retrata a cultura e as paisagens do Tocantins de forma visceral e autêntica.

Emanuelle Araújo e Marcos Palmeira em momento intenso do filme: a relação conturbada de Sônia e Agnor que revela as camadas de dor e resistência no sertão tocantinense.
Tocantins: cultura e paisagens como personagens
O Tocantins, estado conhecido por sua rica biodiversidade e cultura singular, ganha destaque em "O Barulho da Noite" não apenas como cenário, mas como um elemento central da narrativa. O filme captura a essência da região, desde as tradições religiosas, como a Folia do Divino Espírito Santo, até os contrastes entre a beleza natural e as dificuldades da vida no sertão. O filme também conta com produção majoritariamente local, mostrando a força dos profissionais tocantinenses.
A cineasta Eva Pereira utiliza as paisagens tocantinenses de forma poética, transformando o cerrado, os rios e a atmosfera local em personagens que dialogam com a trama. A cultura do estado, com seus rituais, música e costumes, é retratada com autenticidade, oferecendo ao público um mergulho profundo na identidade tocantinense. Essa abordagem não apenas enriquece a narrativa, mas também coloca o Tocantins no mapa do cinema mundial, mostrando que a diversidade regional é um trunfo para a produção cultural brasileira.
Do silêncio ao protagonismo: a força das mulheres no filme
Um dos aspectos mais marcantes de "O Barulho da Noite" é o protagonismo feminino, tanto na tela quanto por trás das câmeras. Eva Pereira, além de dirigir, assina o roteiro do filme, trazendo uma perspectiva única e sensível para a narrativa. As personagens femininas do longa, Sônia, Maria Luiza e Ritinha são complexas e multifacetadas, refletindo as nuances da condição da mulher na sociedade contemporânea.
As jovens atrizes Alícia Santana e Anna Alice Dias, ambas do Tocantins e em seu primeiro trabalho em um longa-metragem, entregam performances emocionantes e maduras, conquistando o público e a crítica. Alícia Santana, que interpreta Maria Luiza, foi premiada como Melhor Atriz Coadjuvante no 28º Inffinito Brazilian Film Festival, em Miami. Já Emanuelle Araújo, que vive Sônia, levou o prêmio de Melhor Atriz no 17º Los Angeles Brazilian Film Festival (LABRFF).
A cineasta tocantinense tem sido um exemplo de resistência e criatividade, mostrando que é possível produzir cinema de qualidade fora dos grandes centros urbanos. Sua trajetória inspira outras mulheres a ocuparem espaços na direção e na produção cinematográfica, áreas ainda predominantemente masculinas.

Alícia Santana e Anna Alice Dias, as jovens estrelas tocantinenses que roubaram a cena e os corações no filme, em performance que rendeu à Alícia o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante.
Entre o silêncio e o barulho: a voz de Eva Pereira no cinema
Nascida em Miracema do Tocantins, Eva Pereira é uma das principais representantes do audiovisual tocantinense, com uma carreira marcada por narrativas sensíveis e profundamente conectadas às raízes culturais do Tocantins. Sua trajetória é um exemplo de dedicação e criatividade, mostrando que é possível produzir cinema de qualidade fora dos grandes centros urbanos.
Além de "O Barulho da Noite", que consagrou sua carreira internacionalmente, Eva já dirigiu e produziu outros projetos que destacam sua habilidade em retratar histórias locais com universalidade. Entre eles estão o curta-metragem "Céu Aberto" (2018), que explora as relações humanas e a solidão em meio às vastas paisagens do cerrado tocantinense, e o documentário "A Última Festa" (2020), que mergulha nas tradições culturais do estado, focando em festas populares e rituais que resistem ao tempo. Além disso, ela dirigiu a série de webdocumentários "Sob o Mesmo Céu" (2021), que retrata a vida de comunidades quilombolas e indígenas do Tocantins, destacando suas lutas e resistências.
Sua dedicação ao cinema tocantinense e sua capacidade de transformar histórias locais em narrativas universais são um exemplo de como a diversidade regional pode enriquecer a produção cultural do país. Com "O Barulho da Noite", Eva não apenas consolidou sua carreira, mas também abriu caminho para que outros talentos do Tocantins ganhem visibilidade.
Do cerrado aos festivais: um filme que conquista o mundo
"O Barulho da Noite" não apenas colocou o Tocantins no mapa do cinema mundial, mas também escreveu seu nome na história dos festivais de cinema nacional e internacional. O filme, que se tornou a primeira produção tocantinense a ser selecionada para o Festival de Gramado, um dos mais tradicionais do Brasil, marcou presença em diversos outros eventos de prestígio, colecionando prêmios e elogios da crítica.
No 28º Inffinito Brazilian Film Festival, em Miami, o longa conquistou três troféus: Melhor Filme, Melhor Roteiro (Eva Pereira) e Melhor Atriz Coadjuvante (Alícia Santana). Já no 17º Los Angeles Brazilian Film Festival (LABRFF), o filme brilhou com os prêmios de Melhor Direção (Eva Pereira) e Melhor Atriz (Emanuelle Araújo), consolidando-se como uma das grandes revelações do cinema brasileiro contemporâneo.
A trajetória internacional de "O Barulho da Noite" incluiu ainda participações no Festival de Cinema de Milão, na Itália, onde recebeu menção honrosa por sua fotografia poética, e no Festival Internacional de Cinema da Bolívia, onde venceu na categoria Melhor Fotografia. O filme também foi exibido no Festival de Cinema de Marrocos e no Festival de Gramado, onde emocionou o público e a crítica, mostrando que o cinema tocantinense tem força para competir em grandes palcos.
Além disso, o longa foi destaque na 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um dos eventos mais importantes da América Latina, onde foi aclamado pela sensibilidade de sua narrativa e pela autenticidade de sua abordagem.
"O Barulho da Noite" não é apenas um filme; é um símbolo de resistência, identidade e orgulho para o povo tocantinense. Ao levar as paisagens do cerrado, as tradições culturais e as histórias do estado para telas ao redor do mundo, Eva Pereira e sua equipe mostraram que o Tocantins tem muito a oferecer ao cinema e à arte. O sucesso do filme em festivais internacionais despertou um sentimento de pertencimento e celebração entre os tocantinenses, que veem suas raízes e sua cultura representadas com sensibilidade e autenticidade.
Mais do que prêmios e reconhecimento, "O Barulho da Noite" é um convite para que o mundo conheça a beleza e a complexidade do Tocantins, um estado que, através do cinema, revela suas dores, suas lutas e sua força. O filme não apenas colocou o Tocantins na rota do cinema mundial, mas também inspirou uma nova geração de artistas e cineastas a contar suas próprias histórias, mostrando que o cerrado é um celeiro de talentos e narrativas que merecem ser ouvidas.
